Conjuntura
Crise econômica: quem paga o pato?
Crise estrutural do capital. Desde 2008, vemos uma crise global, que afetou fortemente os países centrais do capitalismo. Apesar de óbvio, faz sentido ressaltar que a nossa sociedade é organizada num sistema econômico global, o capitalismo, onde a produção da riqueza é feita por trabalhadores que só tem para vender a sua força de trabalho, explorados pelos que são donos dos meios de produção - fábricas, terras, etc.
Como lembramos, desde 2008, a economia mundial mergulhou rumo a uma das mais sérias crises da história: segundo o FMI, grande implementador do neoliberalismo, “o mundo perdeu 30 milhões de empregos por causa da crise mundial, e as estimativas para os próximos anos apontam para 400 milhões de empregos [perdidos]”.
Em todo o mundo, a vida do trabalhador ficou ainda mais difícil. A crise econômica encontrou um momento histórico em que não se vê, no atual estado da sociedade, a possibilidade de superação do nosso modo de vida. Seja nos países da periferia ou do centro do capitalismo, a realidade da miséria, ou miséria da realidade, chegou a proporções insustentáveis, e daí veio a resistência.
As 'saídas' encontradas para a crise econômica de 2008 foram a injeção de dinheiro associada ao favorecimento e isenções fiscais a bancos, montadoras e empreiteiras, aliados a demissões, contra-reformas nas áreas sociais e redução de salários para os trabalhadores no mundo todo. Isso demonstra que o neoliberalismo, política econômica e social capitalista, caracterizada por um Estado fraco na garantia dos direitos sociais e forte para atender aos interesses do mercado, continua sendo a tônica do momento. Até mesmo a compra da GM pelo governo americano tem todas as características neoliberais, com um governo que prefere salvar a GM e depois revendê-la ao mercado, do que garantir um sistema de saúde à sua população.
Esse projeto sócio-econômico combinado com o processo da reestruturação produtiva serve exclusivamente aos interesses do capitalismo de acumular cada vez mais sobre as costas dos trabalhadores para sair da crise, aprofundando a dependência econômica dos países periféricos, aumentando o desemprego, disseminando contratos precários e flexíveis de trabalho, enxugando salários, retirando direitos, através, por exemplo, da terceirização. Além disso, o fortalecimento dos partidos ultraconservadores, em particular na Europa, é sinal de um endurecimento dos regimes, da intensificação da repressão a lutadores e lutadoras e das intervenções militares e imperialistas no Oriente Médio e no Haiti.
"Há um outro mundo que nos espera. Este mundo de merda está grávido de outro. E são os jovens que nos levam para a frente.” Eduardo Galeano
E mais uma vez, crise. Até quando?
O ano de 2011 ficará marcado pelas revoltas os povos árabes, que vêm mostrar o protagonismo de homens e mulheres que nunca se enxergaram enquanto sujeitos em sua própria sociedade. A denúncia da tirania e da repressão na esfera da política, o clamor pela democracia e pela liberdade são impulsionados pela denúncia da realidade social, não comentada pela grande mídia: décadas de privatização, de desregulamentação do setor financeiro e de aprofundamento da desigualdade entre pobres e ricos, em grande parte por causa da cartilha neoliberal implementada pelo FMI e Banco Mundial e adotada pelos regimes da região. Dessa forma, a luta popular contra as ditaduras dos países árabes assume também um caráter anti-sistêmico, que preocupa os que até pouco tempo andavam de braços dados com os tiranos Mubarak, Khadafi e Ben Ali: os Estados Unidos e as potências da Europa.
Não podemos nos iludir pelo discurso humanitário que reveste a intervenção imperialista na Líbia: utilizando-se da ONU, para legitimar suas ações e mascarar suas reais intenções, os EUA e a OTAN intervêm para assegurar que seus interesses econômicos não sejam afetados pelas transformações políticas por que passa o país. Tanto é que a Arábia Saudita, aliado político e comercial dos EUA por ser o maior exportador de petróleo do mundo, não tem passado por qualquer sanção por parte da comunidade internacional, apesar da dura repressão a protestos acontecidos no país e do envio do exército saudita para reprimir manifestações no Bahrein.
Com essas revoltas no mundo árabe, tabus e preconceitos foram desconstruídos. Além de não ter sido dominada por grupos “fanático-religiosos e terroristas”, as lutas contaram com uma ampla participação das mulheres, que tomaram as praças, enfrentaram, morreram e derrubaram os regimes ditatoriais, rompendo com a imagem de submissão que nós ocidentais tínhamos. A inspiração também já chega ao povo palestino, na sua histórica luta pela emancipação frente ao Estado, este sim terrorista, de Israel.
Enquanto isso, no lado “desenvolvido” do capitalismo, após gastar rios de dinheiro público para salvar os grandes capitalistas da crise econômica, os governos apresentam o seu plano para retomar o crescimento econômico - e os lucros capitalistas: a austeridade fiscal, nome bonito e complicado para cortes de gastos nas áreas sociais e retirada de direitos dos trabalhadores.
O processo de desmonte do Estado de bem-estar social na Europa, a austeridade econômica, continua e se intensifica, impulsionado pela União Européia. Diante disso o povo sai às ruas para protestar contra a privatização da educação, a reforma da previdência que deixa cada vez mais longe o dia em que o trabalhador poderá se aposentar (o que faz cair a contratação de jovens), os cortes na área da saúde, engessamentos dos salários e todas as demais medidas que fazem o trabalhador pagar pela crise que afeta os lucros dos capitalsitas.
Em momentos de recessão econômica, a repressão é dura. Na Grécia, Inglaterra, França, Espanha e Portugal os jovens tomam as ruas e as praças, inspirados pelos feitos dos povos árabes, exigindo empregos dignos e uma redução da jornada de trabalho. A citação de Eduardo Galeano que abre a nossa tese foi feita em uma entrevista após o escritor visitar os “Indignados” da praça de Puerto del Sol Espanha e diz respeito aos milhares de jovens e lutadores que atualmente ocupam aquelas praças e ruas em todo o mundo.
Brasil: para onde vai?
No Brasil, a tal “marolinha” obviamente era mais um disfarce eleitoreiro. A crise afetou o país com uma série de demissões e a desvalorização dos salários. Apesar disso, o debate eleitoral de 2010 sobre os rumos do país foi principalmente marcado pela pseudo-polarização entre PT e do PSDB em torno de temas menores, já que ambos são defensores das políticas de retirada de direitos implementadas pelos governos desde 1990. Reforma da previdência, a maior abertura para a privatização da gestão dos serviços públicos e cortes de gastos com educação, saúde e outros, são exemplos dessa política.
E isso não mudou. A despeito do discurso de crescimento econômico e melhora das condições de vida, a realidade não esconde as verdadeiras prioridades do governo Dilma Rousseff: cerca de 40% do orçamento geral da União para pagamento da dívida pública combinado com um corte de R$ 50 bilhões para as áreas sociais mostram a prioridade pela manutenção dos privilégios e lucros dos poderosos e o mínimo de direitos para a classe trabalhadora, apenas para conter as lutas e manter a popularidade do governo.
Não por acaso, Dilma iniciou seu mandato invertendo os reajustes: um aumento vergonhoso do salário mínimo junto com um acréscimo expressivo ao salário dos parlamentares e do poder executivo, ao mesmo tempo em que a inflação aumenta, e consome o salário da classe trabalhadora.
Junto com essa inversão de aumentos, Dilma cortou R$ 50 bilhões dos 'gastos públicos' ou seja, de investimentos em educação, saúde, segurança e moradia. Ao mesmo tempo, salta aos olhos o montante que será gasto com Copa-2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
Junto com as obras da Copa, vemos o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), propagandeado pelo governo federal como impulsionador de emprego e desenvolvimento. Na prática, é um pacote para aumentar os lucros do setor da construção civil às custas de terríveis condições de trabalho (inclusive semi-escravo) e péssimos salários para os trabalhadores das obras do programa, como no caso mais famoso, o da Usina Hidrelétrica de Jirau e tantos outros por todo o país. Além do ataque direto aos trabalhadores, obras referências do PAC, como a Usina de Belo Monte e o projeto de transposição do Rio São Francisco, são grandes promotoras da degradação ambiental, inundando áreas extensas, destruindo o ecossistema das regiões afetadas e expulsando diversas populações ribeirinhas em troca de fornecer energia elétrica e água para as corporações do agronegócio e de exploração de minérios. A truculência e a criminalização aos movimentos sociais que denunciam a perversidade desses projetos e organizam a resistência a eles vêm tomando proporções assustadoras, culminando no assassinato impune de lideranças na região norte. Como cereja do bolo, a aprovação do novo Código Florestal legaliza a impunidade para os responsáveis por desmatamentos e permite que ainda maiores áreas de preservação ambiental sejam devastadas.
O governo também começou com grandes escândalos de corrupção - dois ministros já caíram. Aproveitamos para lembrar que isso não é exclusividade do PT ou do PSDB, mas que é parte desse sistema de governo capitalista, corrupto em essência, exatamente por ter como função servir os poderosos.
É importante ressaltar que nesse cenário de precarização e flexibilização do trabalho, as mulheres são ainda mais afetadas, tendo em vista a divisão sexual do trabalho. Além do machismo, também o racismo deve ser duramente combatido, assim como a homofobia. Neste ano, tivemos uma grande vitória na luta contra a homofobia, com o reconhecimento pelo STF da união civil de pessoas do mesmo sexo. Porém, temos visto apenas retrocessos no governo: há grande resistência da bancada parlamentar, inclusive da base aliada do governo federal, à aprovação do Projeto de Lei que torna a prática da homofobia um crime e a Dilma vetou a distribuição dos kits anti-homofobia do Ministério da Educação (MEC) para as escolas públicas do país.
Dentro de todo esse contexto, a dependência do país frente aos países centrais continua sendo reafirmada, como demonstram o aprofundamento do papel do Brasil como agroexportador no cenário internacional, a elevação constante dos juros para atração de capital estrangeiro e os recentes acordos com os Estados Unidos estabelecidos na visita de Barack Obama ao Brasil.
Lutar quando é fácil ceder!
Todo esse processo, no entanto, não acontece sem resistência. Os exemplos das revoltas no mundo árabe e das manifestações na Espanha, Grécia e Portugal vêm demonstrar que, de fato, “a história não acabou” e que é possível lutar por uma sociedade sem exploração, democrática e igualitária. No Brasil, já marcaram presença este ano diversas greves por condições dignas de trabalho e salário, pela valorização do salário mínimo, contra o aumento da passagem de ônibus, contra o machismo, pela criminalização da homofobia, contra o novo Código Florestal, as ocupações nas universidades por mais assistência estudantil, as ocupações de terra por reforma agrária.
Por outro lado, no caso da direção majoritária da União Nacional dos Estudantes (UNE) existe um claro abandono das bandeiras históricas do movimento estudantil e da luta como método de conquistas e vitórias. Vemos um aparelhamento dessas entidades para manter apoio ao governo Dilma, defendendo o conjunto das medidas de manutenção dessa ordem social e cosneguindo vitórias pontuais e pequenas por migalhas deixadas pelo governo federal e pelas universidades particulares, que preferem uma UNE assim à uma entidade de lutas que questione profundamente a ordem das coisas.
É papel da Oposição de Esquerda aritcular os estudantes no combate à essa política, para resistir frente a toda forma de exploração, participar ativamente de cada processo de luta e intervir lado a lado dos trabalhadores e dos movimentos sociais, a fim de travar a luta concreta em prol de uma transformação social efetiva. Vamos Romper as Amarras da exploração, da opressão e da desigualdade!